Teoria mágica para leigos

Hoje vou oferecer uma abordagem um pouco diferente. O meu normal é trazer aqui textos densos e cheios de referências, reflexões, etc. Desta vez, quero apresentar algo mais didático, que é realmente para tentar explicar o que é a magia e como as coisas funcionam (dentro da minha perspectiva, pelo menos) para alguém que não sabe nada do assunto. Para quem já teve aulas comigo ou pretende, recomendo prestar atenção!

A minha definição atual de magia, em termos simples, é: a exploração deliberada do mundo invisível1.

Só isso: dois substantivos, dois adjetivos e um conector. A grande questão, claro, é que uma frase direta assim contém várias premissas, que precisam ser desdobradas. É o que faremos agora.

Cena representando uma iniciação nos mistérios de Elêusis (fonte).

A primeira premissa é a ideia de que existe um mundo aqui dito invisível. Há muitos adjetivos possíveis. Eu disse “invisível”, mas há quem chame de oculto2, energético, espiritual, sutil etc. Em cada contexto as pessoas vão chamar de uma coisa, mas o referencial é o mesmo: é uma parte da realidade que não é normalmente acessível aos sentidos do nosso corpo físico. Quando você avista um espírito, não são as suas retinas captando a luz refletida de um objeto material, mas uma outra coisa3. No plano material, dois objetos não podem ocupar o mesmo lugar no espaço, mas no mundo invisível essa lei não se aplica.

A segunda premissa envolvida aí é a de que esse mundo invisível é habitado por forças diversas. Energias, espíritos, entidades, inteligências, etc. Essas forças são autônomas e, embora nossa percepção delas possa variar e seja possível influenciarmos a forma como se apresentam, elas não são criações da nossa cabeça.

A terceira premissa é a de que esse mundo repleto de seres e forças diversas não existe à parte do nosso mundo material, mas se encontra interligado com ele. Ou seja, as coisas que acontecem aqui afetam o outro lado, e vice-versa4. Desse modo, é possível contatar e interagir com essas forças para propósitos variados.

Exemplo: a questão da limpeza energética. A gente parte do pressuposto de que existe algo que chamamos de energia suja, sha qi, miasma, contaminação. Isso que tem esses vários nomes é um fenômeno dos planos invisíveis, porque é diferente da sujeira física: um lugar pode estar limpo no plano material, mas repleto de nojeiras no outro plano (pense no caso de um hospital). Essa energia suja exerce uma influência sobre a nossa realidade: a presença dela causa sensações ruins sem outro gatilho externo aparente, como cansaço e esgotamento, tristeza, irritabilidade, e a exposição prolongada deixa a gente suscetível a doenças e outras coisas desagradáveis. Ou seja, é um exemplo de como algo que existe nesse outro plano é capaz de nos afetar aqui5. Ao mesmo tempo, o que a gente faz aqui também afeta lá, pois com técnicas de limpeza é possível remover e desintegrar essa energia suja, combatendo assim os efeitos nocivos que ela causa.

Outro exemplo: uma pessoa adquire um terreno e, no processo de limpá-lo para construir uma casa, derruba uma árvore que ela não sabia que tinha importância para os seres espirituais daquele espaço. Um ato que parece inócuo para a pessoa acaba trazendo consequências, porque a destruição da árvore enfurece os espíritos, que passam a assediar o invasor. Enquanto não for feito algo para pacificá-los, na forma de um ato mágico como um tipo de pedido formal de desculpas, com oferendas e tudo o mais, a vida da pessoa vira um inferno.

Arnold Böcklin – O Bosque Sagrado (1886)

De uma perspectiva antimágica, o efeito de uma limpeza energética ou as consequências por se derrubar uma árvore podem parecer um efeito placebo/nocebo – e de fato é assim que os autodenominados céticos entendem. Você vê uma pessoa fazendo algo para limpar a energia do ambiente e, por acreditar no que ela faz (mesmo que seja num nível abaixo da consciência normal), você se sente melhor, por ação do seu subconsciente. Você derruba uma árvore e se sente mal depois como efeito da sua própria culpa, que faz parecer que é um ataque espiritual. Embora possa haver, em algum grau, a influência de um fator do inconsciente também, não é isso que é relevante. É possível fazer algo para influenciar uma pessoa magicamente sem que ela saiba, sem que ela tenha visto o ritual (o que descarta a possibilidade do efeito do subconsciente) e obter resultados mesmo assim. Nesses casos, a explicação psicológica cai por terra… e o argumento cético costuma ser de que é “coincidência”.

Enfim, essa é, para mim, a forma mais concisa de se definir o que a gente chama de magia. Às vezes, há uma interseção com a religião. Na religião, frequentemente há um contato com uma força específica do outro lado (como um deus), em torno do qual constrói-se uma estrutura social, que vai ditar normas de comportamento, interagir com a organização política, etc. Porém, como a magia se preocupa mais com questões de eficácia das técnicas do que de dogma, não é raro que as práticas mágicas transitem por um espaço intersticial entre religiões. Esse é um fenômeno transcultural.

Ao lermos essa definição, é fácil chegarmos à conclusão (equivocada) de que a religião é naturalmente mágica. Alguém pode rezar pedindo alguma coisa e ter seu desejo concedido. Nesse caso, de fato, são cumpridos os pré-requisitos que estabelecemos: a prece de petição pressupõe que 1) exista um outro lado onde uma consciência não material está a ouvir a pessoa que ora, 2) que é possível por meio de certos gestos interagir com essa consciência e 3) essa consciência pode agir no nosso mundo a partir do lugar onde ela está nesse mundo invisível. Nesse sentido, sim, uma prece de petição é um ato mágico.

Existem, porém, várias formas de conceitualizar a religião e praticá-la, inclusive formas que são antimágicas e até antiespirituais6. Um grande exemplo é Maimônides, o rabino e pensador do período medieval, de verve racionalista aristotélica, autor de O guia para os perplexos. Vamos pensar no caso de objetos religiosos: de uma perspectiva mágica, um objeto religioso devidamente consagrado revela a sua condição enquanto tal em suas características intrínsecas. Alguém com a capacidade de “ler a sua energia”, por assim dizer, vai ser capaz de entender do que se trata, mesmo que não saiba de antemão que é um objeto sagrado. Para Maimônides, não existe energia no sentido mágico do termo, nem nada de essencialmente sagrado num rolo da Torá, numa mezuzá ou num tefilim – a sacralidade desses objetos é puramente instrumental, na medida em que lembram os fiéis dos fundamentos da sua religião7. No cristianismo, São Tomás de Aquino vai ser outro pensador aristotélico que rejeita a realidade da magia. Na antiguidade, havia os estoicos. E assim por diante.

Certo. Então a magia é a exploração deliberada do mundo invisível. Agora, como ela opera?

O modo como a magia tende8 a operar é pela manipulação de elementos simbólicos9. Imagens visuais, cores, palavras, gestos com o corpo, objetos. Esses elementos são utilizados em rituais (i.e. sequências de atos realizados com uma dada intenção de afetar o mundo invisível) na medida em que essas forças do outro lado respondem a eles.

Vamos a mais alguns exemplos: na magia de grimórios (livros de receita de magia) da tradição esotérica ocidental, é comum utilizar-se o que se chama de sigilos (do latim sigillum, “selo”, “sinete”). Um sigilo é um sinal gráfico associado a um certo ser espiritual individual, como um anjo, um demônio, uma inteligência, um espírito, etc. Este sinal gráfico é copiado num pedaço de papel ou outro objeto e pode ser incluído no altar durante um ritual para se comunicar com aquele ser. Geralmente, há também uma fórmula verbal que é recitada na presença do sigilo, o que se chama de conjuração – ou seja, os símbolos são manipulados de uma dada maneira, com o uso de um elemento verbal em cima de um elemento visual dentro de um contexto específico (há outras coisas que são feitas também em preparação para o ritual), ao que o espírito vai responder. Nas tradições dhármicas, há uma grande ênfase em fórmulas verbais que são repetidas várias e várias vezes, os mantras10, e uma força espiritual pode ser contatada por via do seu mantra, de modo a afetar o praticante quanto mais ele o repete. Seres espirituais, como deidades, podem ser representadas fisicamente em imagens e estátuas – que serão imagens simbólicas, pois a deidade é um ser que não possui corpo físico. Ao queimarmos incenso perto da estátua, estamos dedicando-o a esse deus como uma oferenda. O ato é simbólico, mas seus efeitos são reais.

Oferendas sob uma estátua de Ganesha.

Em nossa cultura, há uma desvalorização do simbólico. Fala-se em “gesto simbólico” para descrever um ato que na prática é ineficaz (tipo “o que vale é o sentimento”), “valor simbólico” para um valor irrisório, etc. Mas a magia é o espaço que reconhece o poder do simbólico, na medida em que entende que as nossas ações têm consequências para além do óbvio e do imediato. Um símbolo ou, melhor dizendo, um signo, é algo que não têm apenas uma existência por si, mas que aponta para alguma outra coisa, sendo portanto um portal. Uma rede de signos forma uma linguagem. E assim como utilizamos nossa linguagem mundana para interagirmos com outros seres humanos, um repertório de símbolos mágicos permite interagir com seres do outro lado.

Vocês vão reparar que eu não usei em nenhum momento a palavra “crença” aqui11. E isso é porque a crença, em termos mágicos, é irrelevante. A nossa postura num trabalho mágico tem peso, mas o que a gente acredita, não. Uma pessoa cética pode ser afetada magicamente por um praticante experiente com facilidade12. Já a prece de um ateu tende a não funcionar, não porque ele não acredita, mas porque a sua descrença faz com que ele normalmente não tenha empenho (=energia) o suficiente ali para movimentar as coisas, nem a abertura para haver uma interação real. No mundo humano, se você conversa com alguém que você não suporta sem nem fazer o menor esforço para disfarçar, é óbvio que a outra pessoa vai captar isso e a interação não será bem-sucedida. Não quer dizer que a outra pessoa não exista.

Por fim, como é que a magia funciona para afetar a nossa realidade?

Um conceito comum no meio esotérico é a noção de que tudo que existe nos planos mais densos é um desdobramento de processos que começam nos planos sutis. Uma doença, por exemplo, frequentemente aparece no corpo energético antes de se manifestar no corpo físico13. Tratando o corpo energético doente, pode-se evitar que a doença chegue ao físico… ou pelo menos mitigar seu estrago. Um termo que eu gosto de usar é o de padrões14. As coisas que acontecem com a gente são os resultados da interação entre incontáveis influências, que formam um padrão que orienta os acontecimentos. Quando nascemos, trazemos conosco já uma bagagem kármica e acordos firmados previamente que se combinam com as influências zodiacais para determinar o que vai acontecer com a gente nos primeiros anos de vida, em que nossa capacidade de agência é mínima. Depois, nossas decisões também vão afetar esses padrões, como consequências dos nossos atos.

Circle Ripples On Water Surface #3, arte de Paul Taylor (link)

Quando consultamos um oráculo, o que o oráculo faz é captar esses padrões em certas áreas de nossa vida e traduzi-los em termos de um repertório simbólico preestabelecido: as runas, as cartas de tarô, as figuras geomânticas. Como os padrões existem num nível mais sutil da realidade, também é mais fácil que seres espirituais sejam capazes de afetá-los, para bem ou para mal, já que esses são os “espaços” por meio dos quais eles transitam normalmente. Quando eu monto um ritual de prosperidade como um feitiço, por meio da manipulação dos símbolos envolvidos, a intenção é criar um padrão de prosperidade que vai interagir com os padrões que estão em andamento. Se esses padrões já forem favoráveis a manifestar o que eu quero – por estar surfando na onda de um trânsito astrológico benéfico, por estar cuidando da sua higiene energética ou até mesmo por motivos mais mundanos, como já ter o dinheiro e os contatos necessários, – então mesmo um ritual simples pode trazer resultados impressionantes. Às vezes, a gente está com tudo pronto e só precisa dar um empurrãozinho para fazer as coisas deslancharem. Mas quando estamos nadando contra a corrente, aí vai um dispêndio de energia maior. Só que não é apenas por feitiços pontuais que a gente altera esses padrões. O contato com seres espirituais nos afeta de um modo muito profundo, mesmo que a gente não peça nada explicitamente15.

Passando a limpo, portanto: a magia é a exploração deliberada do mundo invisível. Ela opera por meio de símbolos, que, ao serem manipulados, encontram uma resposta nos seres do outro lado. A interação com esses seres afeta os padrões que manifestam as coisas que acontecem conosco.

Para quem está chegando agora e não sabe por onde começar a estudar magia, eu diria que esse é o ponto de partida, as instruções de base com as quais é importante se familiarizar antes mesmo de começar os estudos mais a fundo com a leitura de alguma obra específica. E justamente porque a magia é a exploração dos planos sutis, um entendimento de como esses planos operam e de técnicas de manipulação energética acaba sendo útil para qualquer praticante de magia, da bruxaria à tradição cerimonial.

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  1. É claro que eu já escrevi um texto mais longo, tempos atrás, tentando definir o que é a magia. Mas acho saudável a gente repensar os nossos conceitos de vem em quando. ↩︎
  2. Inclusive vem daí o termo “ocultismo”. ↩︎
  3. Essa capacidade de acessar o mundo sutil é chamado de clarividência (e suas variáveis como clariaudiência, etc). Para algumas pessoas é mais fácil ter esse acesso. Para outras é mais difícil. Em todo caso, isso também é uma habilidade que pode ser desenvolvida. ↩︎
  4. Algumas perspectivas metafísicas trabalham com a ideia de um outro lado que existe, mas não permite interação. ↩︎
  5. Uso os termos “aqui” e “o outro plano” apenas para facilitar para entender. Na realidade, a gente habita todos os planos, incluindo o físico, ao mesmo tempo. ↩︎
  6. O raelismo é um exemplo de uma religião puramente materialista. ↩︎
  7. Há um livro que entra bem a fundo nessa questão, intitulado Maimonides’ Confrontation With Mysticism, de Menachem Kellner. Esses exemplos citados foram retirados da resenha de Allan Nadler de 2007 sobre esse livro, publicada online na revista Forward (link aqui) ↩︎
  8. Digo “tende”, porque, em níveis muito avançados, é possível a magia operar sem símbolos e essa interação com o outro lado se dar de forma direta, mas não é o mais comum. ↩︎
  9. No caso da magia natural, há certos mecanismos que operam num nível muito próximo do físico. Uma planta pode ter uma certa dimensão simbólica, mas também uma função quase mecânica que, por sua vez, vai reforçar os seus simbolismos também. ↩︎
  10. Há também elementos simbólicos visuais, os yantras. ↩︎
  11. Falamos mais longamente desta questão num outro texto aqui do site. ↩︎
  12. Já vi casos assim pessoalmente. Porém não tem muito o que fazer, porque, como o ateu não acredita, as chances de ele colaborar num ritual de quebra de demanda são ínfimas. ↩︎
  13. O mestre Choa Kok Sui dá um exemplo de um caso desses em seu Ciência da Cura Prânica. ↩︎
  14. O termo “fate patterns” aparece com frequência nos textos do Quareia e na obra no geral de sua idealizadora, Josephine McCarthy ↩︎
  15. A Maíra fala sobre isso em seu texto sobre a lei da atração. ↩︎

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