Recentemente eu tenho recebido muitas perguntas sobre comunicação espiritual e percepção do mundo sutil. Como esse é um assunto básico (no sentido de fornecer uma base para o entendimento das coisas) e eu ainda não dediquei um texto inteiro para explorá-lo devidamente, acho que já passou da hora de falar disso aqui no site.
Então, vamos lá, voltando àquilo que eu sempre repito: a magia é a exploração deliberada do mundo invisível, também chamado de sutil, energético, oculto etc. Como eu expliquei em Teoria mágica para leigos: o mundo invisível é “uma parte da realidade que não é normalmente acessível aos sentidos do nosso corpo físico”. Afinal, o corpo físico é desenvolvido para captar normalmente as coisas do mundo físico, de modo a garantir a sobrevivência dessa coisa meio frágil que é esse corpo – daí o espectro da luz visível pelo olho humano, as vibrações audíveis pelo ouvido humano e tal.
E há um bom motivo para que haja uma parte da realidade que não seja normalmente acessível, porque dificultaria muito para a gente existir. Há uma citação atribuída ao sábio Abba Benjamin, no Talmud Yerushalmi que diz: “Se o olho tivesse a permissão para ver, criatura alguma poderia suportar a visão diante de tantos demônios que a cercam”. Puxado. Imagino uma coisa meio andar-na-25-de-março-em-véspera-de-Natal. Ao mesmo tempo, não é certo dizer que a gente não consegue acessar essa realidade, porque tem muitas pessoas que conseguem, embora as pessoas tendam a duvidar delas, e sempre tem o caso clássico da pessoa que normalmente não consegue, mas um dia tem uma experiência inexplicável. Na verdade, nós temos sim capacidades de perceber o mundo invisível, só que 1) em menor escala e 2) há uma grande variação aí em termos de sua distribuição dessas capacidades de indivíduo para indivíduo1.

Clarividência
A capacidade de ver o mundo invisível é chamada de clarividência, um nome meio irônico, porque normalmente essa visão é tudo menos clara. Como eu disse antes, “quando você avista um espírito, não são as suas retinas captando a luz refletida de um objeto material, mas uma outra coisa”. O olho humano recebe o estímulo da luz captada pelas retinas e converte aquilo em informações para o nervo óptico. Um espírito não reflete luz porque não tem corpo físico2 – ele existe num outro plano, inclusive onde é possível mais de uma coisa ocupar um mesmo lugar no “espaço”. Na verdade, o que acontece é que a pessoa está recebendo informações do mundo sutil por meio de seus sentidos sutis, e estas informações precisam ser convertidas em termos daquilo que o ser humano compreende, assim como um televisor converte as informações que ele recebe no sinal em termos de imagens e sons. O clarividente então vê as coisas traduzidas como imagens (e os espíritos também podem plasmar imagens que eles acham que serão mais eficazes para a comunicação), mas existe ainda a clariaudiência (a capacidade de ouvir) e até mesmo clariolfação e outros sentidos. Para simplificar, vou botar tudo no balaio da “clarividência” como um termo guarda-chuva.
Algumas pessoas, por qualquer motivo, são clarividentes de nascença. Com frequência, isso se manifesta na infância e a criança pode ver pessoas “que não estão lá” (para o terror de todos os envolvidos) e conversar com animais, plantas etc. Às vezes essa sensibilidade continua até a idade adulta e eu conheço algumas pessoas que são assim. Esses clarividentes sempre foram muito úteis e valiosos para a magia cerimonial.
Quando a gente vê o trabalho de John Dee, por exemplo, ele foi um mago excepcional, claro, mas sempre dependeu de um clarividente para receber as mensagens dos anjos por via da prática de catoptromancia (ou scrying) com uma bola de cristal ou espelho – o mais famoso deles sendo Edward Kelley, de modo que em suas operações angelicais, Dee realizava as cerimônias enquanto a parte da comunicação em si, visões etc, ficava por conta de Kelley. Em outros momentos da história da literatura mágica (como no famoso Abramelin), é comum os textos pedirem que o praticante chame uma criança para ver as coisas, porque entende-se que a sensibilidade delas é maior.

Em alguns casos, no entanto, essa clarividência aberta de nascença pode se fechar com o tempo: pode-se perder a capacidade por puro desinteresse e embotamento desse lado menos lógico da nossa mente (assim como perdemos muitas outras coisas de infância), o fechamento pode ser desencadeado por um trauma muito sério ou ele também pode ser feito de propósito com técnicas espirituais. O contrário também acontece: é possível tornar-se clarividente. Quando a gente tem uma prática espiritual, a tendência é que os sentidos extrafísicos no geral sejam aguçados, mas tem técnicas para isso e até mesmo cursos, por exemplo, dentro do currículo de Pranic Healing (Cura Prânica) para abrir a clarividência (naturalmente, esses cursos específicos não são para iniciantes).
O problema é que existe muita mistificação em torno desse fenômeno. As pessoas às vezes tratam a clarividência como se fosse um superpoder e que, por isso, precisa ser usado em prol da humanidade, como um tipo de missão, uma coisa meio narrativa de super-herói. E não é assim, não, gente. Primeiro que a clarividência é uma capacidade assim como a habilidade de escrever ou falar bem, ser bom com matemática ou atletismo, ter ouvido absoluto, memória fotográfica, essas coisas. E segundo que todo mundo deveria usar suas capacidades em prol da humanidade e fazer do mundo um lugar melhor. Porém, estamos fracassando miseravelmente nessa empreitada… talvez porque as pessoas insistem em acreditar no papo de que essa responsabilidade recai sobre meia dúzia de gente muito especial.
E pior ainda, tem gente que trata o clarividente como se fosse naturalmente iluminado. E não é. Para começar, todo mundo que parte do princípio que já é um ser iluminado está atrasando o próprio processo (o primeiro passo é a humildade, não tem jeito). Depois, você pode nascer clarividente e ser um lixo de pessoa (inclusive para quem é manipulador, essa capacidade é uma mão na roda). O fenômeno de pessoas com clarividência de nascença que se recusam a fazer a parte trabalhosa do trabalho espiritual, porque se acham muito especiais e que por isso não precisariam fazer nada, é infelizmente bem comum. O que é lastimável, porque, né, que desperdício de potencial.

Nessa mesma toada, é bom lembrar que o acesso que cada clarividente tem ao mundo espiritual é intermediado pelo seu próprio sistema energético, porque 1) é óbvio que nem o mundo material a gente acessa de modo direto (vide o conceito filosófico de noúmenon ou númeno) e 2) o mundo espiritual é vasto, não tem como acessá-lo por inteiro de uma vez. É que nem tentar ter uma visão completa de toda a internet. Você acessa uma parte e que é afim à sua própria energia. É muito comum nos meios kardecistas, aliás, ter gente com clarividência, mas o coração completamente podre de ressentimento, amargura e sentimento de superioridade. Curiosamente, aonde essa pessoa vai, ela enxerga imundície e obsessores. E aí é aquele caso da piada do português que passou merda no bigode e concluiu que cagaram no mundo.
E eu não posso deixar de mencionar que um outro método de abrir a clarividência é por meio do uso de certas substâncias. Os chamados enteógenos, como a ayahuasca, também sempre foram valorizados nas práticas espirituais no mundo inteiro, porque possibilitam esse acesso temporário ao outro mundo. No entanto, qualquer que seja a tradição de uso de enteógenos que você observe e seja séria (falo aqui de práticas nativas e milenares, não de palhaçada para farialimer), via de regra a prática é controlada e rigorosa – se você lê um livro como o do Eliade mesmo sobre xamanismo, não tem como chegar a outra conclusão que não a de que virar um xamã é difícil pra cacete. O motivo disso eu expliquei no texto sobre parasitas energéticos: fazer uso de enteógenos de qualquer jeito, em qualquer lugar, sem a devida técnica, tira as proteções do nosso corpo energético e possibilita a entrada de seres parasíticos. E aí lá vai o pessoal tilelê da medicina da floresta “se curar” com xamã branco e tomar ayahuasca como se fosse água. Daí vocês calculam o estrago.
Muitas vezes as pessoas me contam certas experiência de terem visto formas, luzes, vultos e coisas assim e me pedem para que eu explique o que foi que elas viram. Infelizmente, não tem um gabarito pronto aí. Como dito, a gente converte esses estímulos do mundo oculto em coisas que a gente possa compreender, por isso com frequência energias aparecem na forma de luzes, que é uma coisa do mundo físico com a qual a gente tem familiaridade. Vultos tendem a ser associados a espíritos ruins, na medida em que vultos no mundo físico são sinais de possíveis predadores à espreita, e por aí vai. Até tem um certo padrão, mas não é nada escrito em pedra e o que eu recomendo é sempre anotar e registrar o que você sente nessas ocasiões (e oracular, mas já vamos falar mais disso).
Outras formas de percepção
Tem, no entanto, outras formas ainda de perceber o mundo sutil e se comunicar com seres espirituais, como pelo método que podemos chamar de intuitivo. Uma coisa que a gente precisa ter em mente é que aquilo que chamamos de nossa imaginação não é uma caixa fechada dentro da nossa cabeça, que só tem a capacidade de produzir recombinações a partir do repertório da nossas experiências prévias, mas um espaço permeável. De novo, meio como que nem a internet.
Duas pessoas que convivem juntas podem chegar ao ponto de uma conseguir, em alguns momentos, ler os pensamentos da outra, o que acontece porque o que a gente pensa engendra pequenas criações nos planos sutis chamadas de formas-pensamento (já falamos disso antes), que podem ser transmitidas de pessoa para pessoa. Existem cursos de comunicação intuitiva, inclusive, em que você aprende a enviar e receber esse tipo de coisa. E, claro, isso se aplica para comunicação com espíritos também, que são os habitantes do mundo invisível, e funciona para bem e para mal. Quando estamos com o nosso sistema energético negativamente carregado, a tendência é atrairmos seres afins, os quais, por sua vez, tendem a influenciar os nossos pensamentos de modo que a gente pense e sinta coisas que vão servir para nos manter nesse estado. Ou pior. Mas é igualmente possível receber de espíritos a inspiração para redigir preces, compor obras de arte e até mesmo fazer descobertas científicas – Dmitri Mendeleev famosamente inventou a tabela periódica em sonho3, Tartini compôs sua “sonata do diabo” para violino em sonho, Coleridge escreveu seu “Kubla Khan” depois de um sonho com uso de opiáceos e assim por diante.

Num contexto de um ritual em que invocamos um deus, um anjo, uma inteligência ou alguma outra coisa, se o ritual for bem-sucedido, é feita uma conexão entre a nossa consciência e a consciência daquele ser. E aí a comunicação pode ocorrer no espaço daquilo que estou chamando de “nossa imaginação” por meio dessa conexão, fechando os olhos e se concentrando (as pessoas chamam muito também esse espaço de “tela mental”). Não é fácil, é preciso ter experiência com meditação e ainda assim às vezes é como tentar ouvir uma pessoa falando no meio de um show ou boate lotados. Mas dá para receber mensagens valiosas desse jeito.
A parte difícil é filtrar o que são comunicações genuínas e o que são só as coisas que a gente mesmo pensa. Você pode achar que o espírito está te xingando e ser, na verdade, uma projeção da sua mente, resultante da sua autoestima etc – aliás, como diz o Bardon, quando você é um mago fuleiro e não consegue conjurar coisa alguma4, o que você acessa são apenas suas projeções mentais mesmo, o que eu sempre achei uma bela cutucada no pessoal do “paradigma psicológico”, décadas antes de formalizarem o conceito. E aí, para resolver isso, é preciso reforçar os trabalhos de purificação mental e emocional. Projeções mentais também são formas-pensamento e também há técnicas, inclusive dentro do Pranic Healing, para dissolvê-las.
Como eu falei, a gente pode receber preces e técnicas mágicas assim intuitivamente, mas ficar com receio e pensar, “ah, putz, eu estou inventando isso, tirando da minha cabeça”. E, de fato, com frequência eu leio coisas de pessoas que são claramente iniciantes e dá para ver de onde elas estão tirando as suas ideias (com frequência com base em extrapolações de lógica) e isso é bem diferente de receber algo de um contato do outro lado. Para quem está começando, é possível não ter um contato desses ou ter um contato e ainda não tê-lo desenvolvido ou não ter essa afinação das próprias capacidades para conseguir ouvi-lo. Por isso é bom desconfiar mesmo. Mas praticantes experientes acabam limitando o próprio trabalho ao ignorarem as vozes da cabeça.
Eu não esqueço da vez que eu estava na gira, comentei isso com um Boiadeiro, que eu recebia essas coisas, mas ficava com medo de ser invenção da minha cabeça e ele disse, rindo: “O senhor não é tão inteligente assim”. Pois é. Toma, né. Recomendo que vocês que têm experiência se poupem disso pondo um pouco de fé no próprio trabalho. Mas nem tanto a ponto de acreditarem irrefletidamente em tudo que aparece na sua cabeça. Entre os pontos de “tudo é projeção” e “tudo é revelação”, existe um largo espectro. É saudável evitar os extremos.
E é por isso que eu sempre recomendo que uma das primeiras coisas que qualquer magista tem que aprender é usar algum oráculo, porque o tarô, as runas, a geomancia, o pêndulo são ferramentas extremamente úteis para fazer essa conferência. No mais, é possível melhorar a relação sinal-ruído adquirindo mais experiência com magia e meditação, isolando-se por um tempo e abstendo-se de se sobrecarregar mentalmente com imagens antes do ritual (ver um filme de terror antes de uma invocação, por exemplo, é pedir para ter uma experiência ruim). Para quem quiser bibliografia sobre o assunto, recomendo demais o livro Consorting with Spirits, do Jason Miller.
Por fim, vou citar ainda uma outra forma de interagir com o mundo oculto, que é pegando nele. Literalmente.
Eu já vi menções a práticas de sensibilização das mãos em mais de um livro de magia: Echols fala disso em seu High Magick (capítulo “Raising and Directing Energy”), e também John Michael Greer em algum dos livros dele de magia druídica, mas o mais importante é o Ciência da Cura Prânica, do mestre Choa Kok Sui, que faz dessa técnica uma das bases da escola. Embora o mundo oculto não seja feito de matéria sólida, os nossos nervos da pele conseguem captar a energia no nível etérico, que é o mais próximo da matéria (vide o que eu falei sobre os corpos sutis).
Você pode já ter sentido isso: por exemplo, um calor ou formigamento nas mãos ao projetar prana/chi, a sensação de que estão mexendo em você ao receber cura numa sessão de Pranic Healing, um arrepio, calor, pressão ou choque ao se ver diante de um objeto fortemente energizado. Isso não é coisa da sua cabeça. Ao sensibilizarmos as mãos, é possível usá-las para medir as coisas, como a aura de uma pessoa ou um objeto, seus centros de energia (chakras), a presença de energias específicas de certo tipo (energia suja ou limpa, associada a um certo sentimento ou propriedade, elementos etc). Essas técnicas são usadas na escola de Pranic Healing no contexto de sessões de cura, já que é possível assim fazer uma avaliação energética dos pacientes que é assombrosamente precisa. Mas, enquanto magista, eu também gosto de aplicá-la para medir, por exemplo, o tamanho da aura de um talismã que eu criei, o quanto de força ele tem e o quanto de força ele vai ter dentro de tantos meses, e assim por diante. No entanto, essa é uma técnica inviável de aprender por conta própria e só por isso eu já recomendo fazer o curso Nível Básico de Pranic Healing.
(em tempo, para quem quiser aprender a fazer isso e muitas outras coisas, eu já anunciei aqui na semana passada e repito: o curso Nível Básico em Pranic Healing será ministrado em janeiro pela Maíra em São Paulo! Link aqui! Não percam)
Em resumo: o mundo oculto está lá, preenchido por suas forças sutis (geralmente chamadas de energias) e seres (geralmente chamados de espíritos). Embora ele dê a impressão de existir à parte do mundo físico, é melhor pensá-lo em termos de gradação, do mais denso para o mais sutil – afinal, o plano etérico está logo ali, pertinho, e é por isso que dá para pegarmos nele. Embora seja bom que o ser humano não tenha acesso direto e constante a esse mundo, do contrário a sobrecarga sensorial seria insuportável, esse acesso é sim possível, seja como uma capacidade de nascença, seja como uma prática adquirida. Para quem diz que não vê, nem sente nada (“ai, eu sou que nem uma pedra”), fica aqui o encorajamento para não desanimarem. Sim, o trabalho mágico fica mais fácil quando dá para ver as coisas, mas a ausência de clarividência não impede ninguém de fazer nada. E para quem já tem uma sensibilidade aguçada, deixo o apelo de, por favor, não se deixarem seduzir pelo discurso messiânico que reproduzem por aí. Em todo caso, o trabalho mágico e espiritual é isso mesmo, trabalho, e exige dedicação e empenho.
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- Se não fosse assim, não teria tanta gente que nega que o mundo oculto existe. ↩︎
- Em alguns casos, é verdade, é possível que o espírito apareça até mesmo para quem tem uma sensibilidade baixíssima. Nesse caso, ele se condensa para descer de um nível mais sutil para um mais denso, mas exige muita energia, é dispendioso e acontece com mais facilidade em lugares de natureza. ↩︎
- Quem acha que “o inconsciente”, essa máquina de fazer sonho em que a gente está pelado na escola e os dentes estão caindo, é capaz desse tipo de coisa… bem, eu acho que isso exige mais suspensão de descrença do que qualquer coisa na magia. ↩︎
- Por isso que eu falei da parte do ritual ser bem-sucedido. Se não houver conexão genuína, é óbvio que você não vai acessar aquela consciência, mas as suas projeções ou alguma outra coisa que esteja por perto. Como disse a nossa amiga Rachel: “imagina que você quer falar com a sua mãe e ao invés de ligar pelo telefone, você aperta o número dela no controle remoto.” ↩︎
