Quando nos envolvemos com magia, há uma ampla variedade de seres dos mundos invisíveis que podemos contatar. Alguns desses contatos podem ser benéficos, nem que seja só para ampliar o nosso conhecimento e experiência dentro do ocultismo. Outros podem trazer uma série de malefícios, por diversos motivos. Alguns desses seres nós buscamos por vontade própria, enquanto outros cruzam o nosso caminho sem que a gente os procure. A nossa forma de lidar com cada tipo de ser varia: assim como não tratamos nossos amigos, cônjuges e colegas de trabalho do mesmo jeito, não se deve aplicar a mesma abordagem para todos os seres espirituais, indiscriminadamente.
Por isso, eu pensei que seria útil escrever um texto sobre os vários tipos de seres. Esse é um assunto importante que rende muito e eu sou propenso a falar demais. Se deixar, dá para escrever um livro inteiro, mas vou fazer um esforço e tentar ser sucinto. Pensei aqui e cheguei a uma lista com umas 10 categorias, que vão incluir:
- Deidades
- Anjos
- Inteligências
- Egrégoras
- Espíritos dos mortos
- Dáimones
- Seres “folclóricos”
- Entidades-pensamento
- Demônios
- Parasitas
Ao se fazer esse tipo de lista, a primeira decisão a se tomar é o grau de nuance que é desejado. Num contexto medieval cristão, por exemplo, havia uma forte dicotomia: ou os seres espirituais eram santos ou eram demônios. Os únicos mortos dignos de contato eram os de santos e mártires – se você encontrasse um fantasma, era possível que lhe dissessem que era um demônio tentando enganar você. Anjos também são santos (São Miguel, São Rafael), mas deuses seriam, claro, demônios. Espíritos da terra também são demônios, e até fadas entravam nesse balaio. Essa tipologia pobre não serve para nós. Mas também acho que não vale a pena sermos extremamente minuciosos e criarmos categorias demais. Então ficaremos com essas dez, pelo menos para começarmos a discussão.
Como o assunto vai longe, esse texto será dividido em duas postagens. Na primeira parte, trataremos de deidades, anjos, inteligências, egrégoras e mortos. E os restantes entram na segunda e terceira parte. Vocês vão observar que há uma hierarquia aqui: estamos começando com os nomes que ocupam as posições mais superiores na grande escala dos seres.
Também preciso deixar o aviso de que a descrição que eu vou oferecer de cada tipo de ser é baseada na minha opinião, constituída pela soma das minhas referências de leitura e experiência própria. As referências bibliográficas serão citadas nas notas de rodapé.

* * *
Deidades
Deidades, na minha visão, fazem a ponte entre o Divino transcendente e o Divino imanente. Se compararmos o Divino em seu estado mais inefável e inapreensível com um feixe de luz, assim como a luz branca num prisma sofre refração e forma um arco-íris, o Divino transcendente, quando mergulha na Criação, se reparte em inúmeros princípios que a ordenam, energias conscientes que moldam tudo que existe1. Uma deidade pode estar associada a um ou mais desses princípios e pode ter conexão com processos de geração, preservação e/ou destruição, através dos quais o cosmos evolui, se renova e se regula. Então, por meio de uma forma humanizada, essas forças vastíssimas oferecem uma interface para a interação humana – e isso é uma deidade.
A forma da deidade está sujeita às perspectivas das culturas no contexto em que elas se manifestam. Ela é negociável, portanto – parte é inspirada diretamente na consciência de sacerdotes e profetas, parte vem do imaginário coletivo que constrói mitos e atribui qualidades à deidade. No meio disso tudo entram os arquétipos que caracterizam essas formas: há deidades gentis e sábias, deidades iradas e belicosas, deidades tricksters e assim por diante. O princípio Divino e os arquétipos a que uma deidade está associada ajudam a gente a entender o fenômeno do sincretismo, quando uma deidade é adotada pelo panteão de um outro povo que não aquele que a cultuava originalmente, podendo ser importada completamente ou identificada e até mesmo fundida com outras deidades.
Deidades são seres muito vastos e com frequência abrangem, ao mesmo tempo: tanto fenômenos (deuses da natureza, do sol, da lua, do mar, da chuva, das florestas) e processos naturais (nascimento, morte, fertilidade) quanto conceitos abstratos (justiça, amor, guerra, inteligência) e domínios humanos (deuses ferreiros, deuses escribas, deuses governantes). É por meio desses princípios da Criação que um exercício de contemplação de qualquer coisa pode nos levar ao êxtase da comunhão com o Divino. Deidades não são necessárias para esse processo, mas oferecem uma forma de interagir com essas forças, tanto a nível regional/comunitário, como era na antiguidade, quando em todas as terras havia templos para os deuses, quanto a nível pessoal, como costuma ser a natureza do trabalho que é conduzido hoje. Eu pessoalmente não acho tão produtivo, num contexto atual, invocar deidades para se pedir coisas delas de forma direta. É preferível construir uma relação com elas para ancorar essa energia e então usá-la para transformação interna e externa.
O monoteísmo também lida com uma forma de deidade, porque o Divino transcendental é inapreensível, mas é uma forma que abrange em si todos os princípios da Criação, em vez de reparti-los num panteão de vários deuses. Por conta das complexidades disso, na prática acaba sendo necessário elaborar outros métodos de trabalhar a pluralidade, como os muitos nomes de Deus das tradições judaica e islâmica, ou os santos católicos (já vamos falar deles na seção sobre os mortos).
Para quem quer trabalhar com deidades, eu já falei desse tema anteriormente aqui no texto Então você quer invocar deuses antigos. Se for uma deidade de um panteão em que há um culto ativo, como as deidades hindus ou os Orixás, o indicado é procurar uma figura de autoridade, como um guru ou sacerdote, um pai ou mãe de santo, para oferecer as devidas orientações. No caso de panteões antigos cujo sacerdócio original se perdeu, esse trabalho é um pouco mais complexo, por isso eu falo mais longamente disso no meu texto e no meu curso de Teurgia. Um conselho: o quanto é proveitoso o contato com uma deidade varia do quanto você tem de disposição para dedicar a essa relação. Se você quer fazer disso o seu caminho espiritual (que é o que chamam de bhakti yoga), é preciso que essa relação seja radicada em sentimentos devocionais, mas também é possível conduzir um culto menos fervoroso, por assim dizer. O importante é tratar a deidade com o devido amor, respeito e reverência, não com base numa lógica mercantilista (“paguei, acendi a vela, agora faz isso aqui pra mim”).
Anjos
Como diz o Talmude, nem mesmo uma folha de relva cresce sem que haja um anjo a mandando crescer. Se a deidade faz a ponte entre o Divino transcendente e o imanente, seres angelicais são os intermediários agindo entre o Divino imanente à Criação e o ser humano – não por acaso a palavra vem do hebraico para “mensageiro”2.
No mundo mesopotâmico, as figuras intermediárias são os lamassu, e sabe-se que as tradições mesopotâmicas tiveram uma influência profunda no desenvolvimento da angelologia hebraica. Por questões históricas, as técnicas para interação angelical derivam de um contexto específico, que é abraâmico, mas não se deve pressupor que qualquer religião tenha acesso exclusivo ao contato com essas consciências ou afins. No neoplatonismo de Jâmblico3, no hermetismo e em outras tradições esquecidas como o maniqueísmo, a hierarquia cósmica inclui tanto anjos quanto deidades variadas, mas diferentes fontes variam quanto a qual categoria estaria “acima” da outra. A meu ver, as deidades são seres que permeiam vastas regiões da Criação, do material ao espiritual, ao passo que a natureza dos anjos é mais pura e direta. Isso fica especialmente visível quando tratamos de anjos menos conhecidos4, como os nomes presentes no livro de Enoque ou no grimório cabalístico Brit Menucha: Baradiel, o anjo do granizo, Behemiel, o anjo dos animais domesticados, Ilaniel, anjo das árvores frutíferas5 e por aí vai.
Em termos práticos, anjos podem nos ajudar de forma direta a obter resultados no plano da matéria, mas o principal interesse deles quando os contatamos é espiritual: eles querem que a gente melhore, que a gente se desenvolva, que a nossa vida entre nos eixos e a nossa voz seja mais afinada no coro Divino6. Para os que buscam a magia com interesses bem menos nobres, isso é meio frustrante e leva muitas pessoas a abandonarem a magia angelical. Mas para quem tem um interesse genuíno no desenvolvimento espiritual, eles são aliados poderosos. Para contatá-los, é preciso trabalharmos a nossa própria energia de antemão, o que nos grimórios mais clássicos inclui recomendações para períodos de isolamento, preces e jejum. Num contexto moderno em que ninguém pode pedir para faltar uma semana no trabalho para invocar um anjo, vale recorrer a purificações por meio de banhos e terapia energética, bem como a práticas como a Meditação dos Corações Gêmeos, além de doação e serviço. Isso prepara o seu sistema para o contato e facilita o trabalho.

Uma característica comum a anjos e deidades é que o contato com ambas as categorias de seres é sentido no chakra da coroa, o centro de energia no topo da cabeça responsável pela nossa conexão com o Divino e, por consequência, com a nossa alma. Com o trabalho constante de invocação e comunhão com eles, acompanhado do refinamento interno a longo prazo, esse chakra se expande e é fortalecido. E esse é o sentido do trabalho teúrgico.
Em termos práticos, no entanto, embora haja autores que digam que anjos e deidades seriam a mesma coisa (contemplados pelo termo deva nas tradições hindus), há algumas diferenças. Com deidades, é comum fazermos oferendas e estabelecemos com a deidade uma relação emocional baseada no seu mito e iconografia, a partir da qual constrói-se uma devoção. Já anjos tipicamente não recebem nem oferenda, nem devoção. Para agradecermos aos anjos pelo seu auxílio, o mais indicado é que nós os abençoemos, em vez disso7, e nossa gratidão seja direcionada a Deus.
Inteligências
Habitantes do plano mental, que representa, no esquema teosófico clássico, “o nível da consciência abstrata, o reino do significado sem tempo, nem espaço, leis da lógica e matemática, padrões fundamentais do cosmos”8. Para fazer uma analogia computacional, já que se trata de um conceito meio abstrato, se a realidade sensorial a que temos acesso na maior parte do tempo é como a interface de um programa de computador, o plano mental, enquanto o plano que opera a nível de informações, seria o código que está rodando. As inteligências são as principais consciências dessa camada da realidade.
O ser humano possui um corpo mental também, que é o veículo que usamos para navegar pelo plano mental. Porém, nosso corpo mais denso é o físico, por isso a base da nossa experiência é orientada pelas vivências do plano físico e seus sentidos – para explorarmos o plano mental é preciso treino e técnica. Um ser cujo corpo mais denso é o mental é capaz de se orientar lá com a mesma naturalidade com a qual nós transitamos pelo plano físico.
É comum que inteligências sejam confundidas com anjos: são espíritos “corteses, benevolentes e afáveis em aparência”9, uma descrição que é consoante com a minha própria experiência. No entanto, não são seres com uma conexão direta com a energia divina, e seu contato por si só não estimula o chakra da coroa, por isso não são indicados para o trabalho teúrgico. Apesar disso, por serem de bom trato, é o tipo de espírito que é excelente ter como aliado em trabalhos de manifestação, para transformação interior e sobretudo para adquirir conhecimento e ajuda com processos mentais.
O termo “inteligência” para falar dessas consciências é usado a princípio por Proclo, no século V: “Cada inteligência tem sua existência, sua potência e sua atividade na eternidade. Pois se cada inteligência tem sua existência estabelecida na eternidade e com sua existência sua atividade, cada uma delas saberá todas as coisas relevantes simultaneamente”10. Essa descrição parece coerente com o que sabemos dessa categoria de seres, cuja existência está “na eternidade”, porque o plano mental está além do tempo e do espaço. O seu conhecimento das coisas relevantes se dá pelo fato de elas mesmas serem conceitos vivos11, por assim dizer.
O primeiro autor a falar, a nível prático, desses seres com esse nome foi Agrippa, que inclui as inteligências dos 7 planetas em seus Três livros de filosofia oculta12. Posteriormente, Franz Bardon também viria a listar 360 inteligências (uma para cada grau da eclíptica) em seu Prática da evocação mágica (algumas das quais já falamos aqui antes). Cada inteligência tem um nome próprio e um sigilo usado para o contato. É possível interagir com elas por meio de viagem mental ou com rituais de magia cerimonial. Embora seja uma categoria sub-representada em comparação com os outros seres desta lista, as inteligências são relevantes justamente por conta de sua natureza benevolente, que as distingue de outros espíritos mais comuns na magia e faz com que esse trabalho seja mais seguro e acessível. No mais, eu acredito que há outros espíritos que podemos vir a descobrir que são inteligências também – eu pessoalmente suspeito que as consciências das mansões lunares integrem esta categoria. Para quem pretende contatá-las, a obra de Bardon e seus discípulos é um excelente começo.
Egrégoras
O conceito de egrégora é bastante popular hoje, embora às vezes seja usado com sentidos meio estranhos. Suas raízes estão no ocultismo francês – a primeira aparição é em Éliphas Lévi13, depois o termo é explanado melhor em Robert Ambelain. Ao contrário dos outros elementos do nosso mini-glossário, egrégoras são mais uma estrutura do que uma consciência própria – em visão, elas aparecem para mim meio como casinhas e edificações. Quando temos um foco de força espiritual, como a energia de uma deidade, tem-se uma estrutura egregórica que ou surge espontaneamente ou é construída de propósito, com a função de organizar e facilitar o acesso àquela energia. Isso é porque é preciso que o indivíduo seja excepcional para ter um contato direto com uma consciência divina – são os grandes profetas, sábios e xamãs. Para a maioria de nós, esse acesso é intermediado por símbolos e fórmulas referentes à deidade, como nomes divinos, hinos e mantras – e tudo isso é armazenado na egrégora. Por esse motivo, eu entendo que o nível em que elas operam é também o do plano mental.
Existem estruturas egregóricas não só para deidades, mas para todos esses seres mais vastos (anjos, inteligências etc), e também para ritos e preces individuais, para religiões e grupos de pessoas. A magia de salmos, por exemplo, funciona mesmo que você não seja um tremendo devoto, nem frequentador de igrejas ou sinagogas, porque, embora haja uma conexão com as egrégoras abraâmicas, os salmos em si constituem uma egrégora própria e autossuficiente até certo ponto. O famoso Ritual menor do Pentagrama tem, entre si, não apenas as várias funções de limpeza, proteção e preparação para evocação, mas também o propósito de sintonizar o neófito com a egrégora da Golden Dawn, imprimir na sua aura o símbolo da ordem, e este era um dos motivos pelos quais os recém-chegados ficavam um ano praticando só o RmP até serem iniciados. Quanto maior a ressonância entre os nossos valores e os valores daquela egrégora e quanto mais repetimos os seus rituais, mais forte fica essa conexão.
Alguns autores falam em termos de uma escala de egrégoras, com uma hierarquia em que há egrégoras espirituais, mas também egrégoras mundanas ligadas a organizações profissionais, familiares etc. Se pensarmos que há muitas deidades que são padroeiras de profissões, logo faz sentido que essas profissões tenham uma egrégora própria, ainda que secundária, subordinada a uma egrégora espiritual superior14.
Agora, a conexão com uma egrégora é uma via de mão dupla. Uma conexão firme fortalece os nossos rituais feitos dentro daquela corrente espiritual: a coisa fica mais fluida, porque a gente já está em casa. Mas a egrégora tem uma certa consciência, formada a partir das consciências dos seres espirituais com quem ela está em contato, e junto com essa consciência ela tem planos, desígnios, e vai ter o poder de influenciar a nossa vida também, até certo ponto, tanto a nível de personalidade (vide aquelas pessoas que entram para seitas e têm a sua personalidade completamente reformatada) quanto a nível de acontecimentos. Isso faz com que algumas pessoas tenham uma ideia meio sensacionalista e conspiracionista das egrégoras15, mas também não é para tanto. Assim como precisamos navegar, ao longo de nossa vida, pelas expectativas de outras pessoas, como nossos familiares e grupos de amigos, as egrégoras são mais um tipo de influência, com as quais precisamos também aprender a negociar.
Diferente dos outros seres aqui listados, as egrégoras são meio inevitáveis no meio da magia. Existe magia sem egrégoras – formas mais rudimentares de manipulação energética, magia natural e magia com espíritos locais, por exemplo, – mas a partir do momento em que recorremos a preces e fórmulas, símbolos e a consciência de grandes seres, estamos envolvendo egrégoras, e todo trabalho de alto nível passa por aí de algum modo. A questão é que é importante estudarmos as egrégoras e entendê-las profundamente antes de nos comprometermos.
Espíritos dos mortos
Tem dois conceitos que são um tanto complicados de digerir, quando o assunto é a morte: um é o de reencarnação, seja como metempsicose, ou transmigração das almas, como era chamado em grego, seja na forma do renascimento das religiões dhármicas; o outro é o de que a consciência persiste após a morte do corpo físico, geralmente na forma de uma consciência incorpórea. Ainda mais complicado é entender que as duas coisas podem coexistir16.
No caso de pessoas que adquiriram, em vida, um grau elevado de desenvolvimento espiritual, suas consciências continuam acessíveis a nós após a morte e podem ainda nos ajudar com seu poder e orientação. É o caso do que podemos chamar de mortos veneráveis: grandes mestres, professores e gurus, sábios e santos. Lidar com morto, no geral, é mais fácil do que com as outras categorias de seres nesta lista, porque são muito próximos. Afinal, eles já foram seres humanos encarnados, por isso entendem a nossa perspectiva e as nossas limitações. Não por acaso, no catolicismo, existe a ideia da intercessão.
Nessa categoria entram os santos católicos (uma categoria fascinante, aliás, porque muitos dos santos partilham do domínio sobre certos princípios da criação, assim como as deidades), claro, mas existem sábios sufis, como Abdullah Ansari, Ibn Arabi, Rabia de Baçorá, e encontramos o conceito também na Cabala judaica, com os tzadikim – Isaac Luria seria uma dessas figuras, por exemplo. Para a Cabala luriânica, embora a alma passe para os processos de purificação e gilgul, “reencarnação”, após a morte, algo fica para trás ainda, o que pode ser uma casca diabólica, no caso das pessoas más, que é a origem das possessões por dybbuk, ou uma presença santa, como é o caso dos grandes mestres. Daí que para o cabalista a peregrinação aos túmulos de santos seja uma prática comum. Se o que acontece é isso de fato ou se a própria pessoa adia a reencarnação para ajudar os devotos, aí, para ser muito sincero, eu não sei. Mas, de um jeito ou de outro, essas figuras tendem a ser acessíveis. Em sânscrito, eles são chamados de Mahasiddhas, o que inclui grandes adeptos das tradições hindu e budista: Padmasambhava, Tilopa, Virupa, Nagarjuna, Aryadeva, Goraksha, Milarepa, etc. Para se invocar a presença de Padmasambhava, por exemplo, basta recitar o seu mantra: OM AH HUM BENZA GURU PEMA SIDDHI HUM. Na magia ocidental, há quem chame (ou alegue chamar) o espírito de grandes magos como John Dee ou Franz Bardon. Em alguns casos, é possível comungar ainda com figuras lendárias ou míticas e semidivinas que não se tem registros concretos de terem existido fisicamente – o mestre Hermes Trismegisto é o exemplo mais clássico, mas podemos falar ainda de Salomão ou Merlin, bem como Circe e Medeia.
Todavia, um morto não precisa ter sido um sábio ou santo para nos ajudar. Em muitas tradições, do taoísmo à bruxaria e ao Hoodoo, trabalha-se com ancestrais. O processo de nossa encarnação só é possível, afinal, porque há uma longa linhagem de pessoas que nos deram passagem, de quem somos uma continuação, fisicamente. É interessante honrar esses espíritos, como uma questão de respeito, mas também é possível construir uma relação mutuamente benéfica, em que eles podem intervir para nosso benefício. No contexto das religiões brasileiras de matriz africana ou afro-indígena, é comum que esses ancestrais se tornem guias, sob a tutela de uma deidade (um orixá), com a qual podemos trabalhar no contexto de um terreiro. Nem toda entidade nesses casos é necessariamente um ancestral, no entanto, e algumas nem humanas são, mas esse tipo de trabalho é impactante, porque, como dito, os mortos são espíritos muito próximos e a interação com eles é mais direta do que com anjos ou deidades.

Por fim, vale lembrar que nem todo morto é bonzinho – gente é gente, afinal, – e se existe essa possibilidade de influenciar as coisas a partir do outro lado, então quem era cretino em vida tende a continuar enchendo o saco após a morte. Esse tipo de morto constitui o famoso espírito obsessor, que pode agir para enlouquecer ou vampirizar uma vítima viva e até mesmo intervir para atrapalhar certos processos (pensa no caso de um morto avarento que não quer que liberem a herança, por exemplo). E aí é preciso recorrer a certos trabalhos para afastar, afundar ou deixar esses espíritos no cantinho do pensamento até acalmarem os ânimos. Por conta dessa capacidade destrutiva dos mortos, não posso deixar de mencionar as práticas de necromancia, que eu entendo como essa interação com mortos aleatórios (que não são santos, nem ancestrais, guias ou afins) para direcioná-los geralmente de forma coercitiva – temos muitos registros, desde os PGM, de práticas assim para feitiços de destruição.
Para quem quer trabalhar com mortos, as práticas com santos e afins são muito acessíveis – não por acaso, o texto da Rachel aqui sobre a promessa de São José é um dos mais populares do site. Porém, se o que você procura é trabalho ancestral, aí é preciso entender primeiro qual é a moldura desse trabalho, porque há obviamente diferenças no modo como ele é conduzido entre diferentes sistemas espirituais. Se você quer aprender a honrar, alimentar e trabalhar com seus guias, frequentar um terreiro é inevitável.
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E esses são alguns dos seres espirituais que nós podemos encontrar nos mundos invisíveis. Nas próximas partes deste texto, trataremos das categorias restantes: dáimones e seres ditos “folclóricos” na parte II, entidades-pensamento, demônios e parasitas na parte III.
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- Na Cabala, esses princípios são identificados como as 10 sefiroth que constituem o famoso diagrama da Árvore da Vida. Essa é uma forma de compreender as coisas, mas existem outras possibilidades. O Divino plenamente transcendente e inapreensível é chamado cabalisticamente de Ein Sof (Sem Fim). ↩︎
- Mal’akh é “mensageiro” em hebraico. Angelos é a sua tradução para o grego, que dá angelus em latim e daí as várias palavras para “anjo” nas línguas europeias. ↩︎
- Em De Mysteriis, Jâmblico usa uma tipologia que abrange deuses no topo, seguidos por arcanjos e anjos, depois a nível que poderíamos descrever como “sublunar”, os heróis, dáimones, almas e arcontes. ↩︎
- Os anjos mais famosos como Miguel, Rafael, Gabriel possuem um grande acúmulo de funções e mitologia própria, o que não é o caso com a maioria dos anjos. ↩︎
- Os nomes desses anjos derivam do elemento teofórico -el mais os substantivos em hebraico ou aramaico: barad (granizo), behemah (animal quadrúpede), ilan (árvore) ↩︎
- Quem fala muito disso num contexto de feitiçaria angelical é o Balthazar, como neste vídeo aqui sobre o que ele chama de “télos angelical”. ↩︎
- Essa é uma técnica que eu vi na obra de Nineveh Shadrach, Magic that Works. ↩︎
- A citação é de John Michael Greer, do livro Monsters. ↩︎
- David Rankine, Claves Intelligentiarum, citando o MS Sloane 3821. ↩︎
- De novo, esta é uma citação de segunda mão via David Rankine. O livro de Rankine é dedicado inteiramente ao tema de conjuração das inteligências planetárias. ↩︎
- John Michael Greer: “São criaturas da mente e na medida em que se pode dizer que possuem corpos, esses corpos são feitos de padrões de consciência, que nós percebemos como ideias. Em certos tipos de meditação mágica, não é incomum estarmos contemplando certo conceito abstruso e então de repente nos darmos conta de que há uma consciência dentro do ‘conceito’ que está ali encarando você de volta! Quando isso acontece, foi contatada uma inteligência”. ↩︎
- Para um relato fascinante de experiências com essas inteligências, recomendo a fala do Frater Robert, “Conjuring the Planetary Intelligences: Explorations in Practical Rosicrucianism” (link). ↩︎
- Em Éliphas Lévi, o termo em francês égrégore aparece no contexto do livro de Enoque, falando dos anjos que são chamados de “sentinelas”. ↩︎
- A russa Menshikova é um desses nomes, e há um vídeo interessante dela em que ela expõe a sua visão sobre egrégoras. No entanto, eu hesito em recomendar o canal dela, porque eu já a vi dar certas opiniões que me soam meio suspeitas. ↩︎
- Esse é um dos vários motivos pelos quais eu detestei o livro do Mark Stavish sobre o assunto. ↩︎
- Num contexto dhármico, entende-se que a passagem para os reinos infernais e dos pretas (fantasmas famintos) também é um renascimento, embora você de fato não “reencarne” no sentido de voltar para a carne. ↩︎

Texto excelente como sempre, já ansioso pela parte II. A propósito, o que você pensa sobre as descrições dos seres espirituais pelos módulos do Quareia?
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Obrigado, Bruno! Eu gosto das descrições do Quareia, sempre recomendo o módulo Types of Beings para as pessoas. Obviamente, tenho minhas discordâncias (difícil dois ocultistas concordarem kkkk ainda mais dois sagitarianos) e não sigo o sistema Quareia, mas com frequência acho a Josephine uma boa fonte de referência.
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Texto excelente como sempre Frater!
Lendo sobre essas classes de seres, lembrei do quando difícil é conseguir classificar o que se entra em contato, como no caso os espíritos olímpicos do Arbatel.
Li uns meses atrás alguns artigos do Bob Smith sobre os planos e dimensões extraplanetários, coisas de Plutão e além universo, o que pra ele se resumiu em uma estranheza absurda e um certo nível de medo com o que se encontra.
Então tem muita mais coisas por aí pra se conhecer.
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Muito bom os seus textos.
Gostaria de saber o que pensa sobre a incorporação, percebo um certo preconceito dentro do ocultismo em relação a ela (as vezes é só impressão minha).
Li esse texto no morte subita e achei bem interessante: https://mortesubita.net/incorporacao-o-extase-condenado/
Sou praticante do sitema do Bardon e ela fala bem pouco do assunto. Em Frabato tem uma incorporação dele com um espirito feminino e ele deixa claro que um dos primeiros passos importantes para o mago é entrar em contato com o “Guia/Guardião”. Enfim, você é um dos poucos falando do Bardon no Brasil (continue, por favor).
Agradeço!
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Obrigado, meu caro! Eu não me considero um grande bardonista, mas ele é com certeza uma influência imensa para mim. Sempre volto no material dele (e inclusive em breve vou fazer mais um post sobre um tema que aparece no Magia Prática)
Sobre essa questão da incorporação, eu peguei uma rebarbinha dessa discussão rolando no instagram, achei uma bobagem. Pessoal tá regurgitando uma treta do século XIX.
Eu mesmo incorporo em contexto de terreiro e acho extremamente válido. Mas sou da opinião de que fora desse contexto é perigoso, justamente por conta de não existir um protocolo firmado para se fazer isso com segurança dentro de outros sistemas. E aí tem umas marmotas tipo do rolê de “incorporação sem espíritos” de um certo espaço daqui de SP…
Abraços!
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Agradeço o retorno, tenho esse interesse em específico, pois trabalhei na Umbanda por 7 anos e desenvolvi um contato com meus guias por lá. Enfim, ainda os contato na pratica meditativa e eventualmente os incorporo (principalmente meu guia de frente). Porém, é bem diferente do que ocorria num terreiro, é mais sutil e é com a finalidade de me instruir na minha prática.
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